quinta-feira, 9 de maio de 2024

Texto de Jean-Paul Sartre: trecho de "O Existencialismo é um Humanismo"

 

O existencialismo ateu que eu represento é mais coerente. Ele declara que, se Deus não existe, há pelo menos um ser em quem a existência precede a essência, um ser que existe antes de poder ser definido por algum conceito, e que este ser é o homem, ou, como diz Heidegger, a realidade humana. Que significa dizer que a existência precede a essência? Significa que o homem primeiro existe, se encontra, surge no mundo, e que se define depois. O homem, tal como o existencialista o concebe, se não é definível, é porque de início ele não é nada. Ele só será em seguida, e será como se tiver feito. Assim, não há natureza humana, pois não há Deus para concebê-la. O homem é não apenas tal como ele se concebe, mas como ele se quer, e como ele se concebe depois da existência, como ele se quer depois desse impulso para a existência, o homem nada mais é do que aquilo que ele faz de si mesmo. Tal é o primeiro princípio do existencialismo. [...] Pois nós queremos dizer que o homem primeiro existe, isto é, que ele é de início aquele que se lança para um porvir, e que é consciente de se lançar no porvir. O homem é de início um projeto que se vive subjetivamente, ao invés de ser um musgo, uma podridão, um couve-flor; nada existe antes desse projeto; nada está no céu inteligível, e o homem será aquilo que ele tiver projetado ser. [...] Assim, o primeiro passo do existencialismo é colocar todo homem de posse daquilo que ele é e fazer cair sobre ele a responsabilidade total por sua existência. E, quando nós dizemos que o homem é responsável por si mesmo, não queremos dizer que o homem é responsável por sua estrita individualidade, mas que ele é responsável por todos os homens. [...] Quando afirmamos que o homem se escolhe a si mesmo, entendemos que cada um de nós se escolhe, mas queremos dizer também que, escolhendo-se, ele escolhe todos os homens.

Assim, nossa responsabilidade é muito maior do que poderíamos supor, pois ela engaja a humanidade inteira. Se eu sou um operário e se escolho aderir a um sindicato cristão ao invés de ser comunista, se, por esta adesão, eu quero indicar que a resignação é no fundo a solução que convém ao homem, que o reino do homem não é sobre a terra, eu não estou engajando apenas a mim mesmo: eu quero ser resignado por todos, por consequência minha decisão engaja toda a humanidade. E se eu quiser, fato mais individual ainda, casar-me, ter filhos, ainda que esse casamento dependa unicamente de minha situação, ou de minha paixão, ou de meu desejo, com ele eu engajo não apenas a mim mesmo, mas toda a humanidade no caminho da monogamia. Assim, eu sou responsável por mim mesmo e por todos, e eu crio uma certa imagem do homem que eu escolhi; escolhendo-me, eu escolho o homem. (SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. In: ANTOLOGIA de textos filosóficos. SEED/PR).

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Para os existencialistas, como Sartre, a existência precede a essência, tanto em relação ao indivíduo ou à realidade, como em relação ao conhecimento, ou seja, o homem primeiro existe no mundo e depois se realiza, se define por suas ações e pelo que faz com a sua vida. Ele é condenado a se fazer homem, através das suas decisões. As ideias, ou as essências não são anteriores às coisas, pois não estão contidas na inteligência de Deus ou do homem.

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